Orientação Sexual e Identidade de Gênero

A origem do Movimento Civil LGBT
O movimento de luta contra a discriminação e de defesa dos direitos das populações LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), tal como o conhecemos (com pessoas de todos as áreas da sociedade a organizarem-se e com marchas reivindicativas e celebrativas) começou em 1970, quando da marcha que assinalou o primeiro aniversário dos «motins do Stonewall».
Na noite de 28 de junho de 1969 uma rusga habitual no Stonewall Inn, um bar gay – que, por sê-lo, era alvo frequente de ações policiais em que o comportamento dos agentes era sempre verbalmente agressivo – não acabou como as outras. Uma mulher resistiu à detenção e as cerca de duzentas pessoas que esperavam à porta do Stonewall (o bar havia sido esvaziado pela polícia) responderam a um grito de denúncia de «violência policial!» atirando garrafas, pedras e moedas contra os agentes. Como era sábado à noite e o Stonewall Inn ficava em Greenwich Village, uma zona de Nova Iorque que corresponde ao Bairro Alto enquanto zona de vida noturna, rapidamente duplicou o número de pessoas envolvidas no protesto.
Os agentes da polícia refugiaram-se no bar, barricando-se, e só não houve tiroteio porque no momento em que um dos agentes ia disparar através de uma janela se ouviram as sirenes dos carros da polícia que traziam reforços para tentar controlar os protestos.
Nas três noites seguintes houve mais manifestações na Christopher Street, a rua onde ficava o Stonewall Inn (que, apesar de ter ficado destruído, foi limpo e arrumado e abriu novamente na noite de 29 de junho), tendo essas noites ficado na memória das pessoas.
Os motins da Christopher Street não foram, contudo, os primeiros protestos e gestos de desobediência civil. Já em 1961 tinha havido um protesto à porta de esquadra que durou um par de dias. A multidão exigia a libertação de dois detidos (durante uma rusga num bar gay ) e ameçava invadir a esquadra se a polícia não conseguisse provar que os detidos se encontravam bem.
Antes desta altura as únicas ações levadas a cabo em defesa dos direitos dos gays e das lésbicas (na altura ainda não existia consciência de que muitos dos problemas que afetam bissexuais e transgêneros são comuns aos dos gays e das lésbicas) eram ações de organizações conservadoras, que defendiam uma imitação acrítica dos modelos heterossexistas patriarcais. Nos EUA a mais famosa foi a Matachine Society e na Europa foi a francesa Arcadie (esta mais virada para o meio acadêmico e artístico que para o público e a classe política).
Entre 1850 e 1933 houve também um importante movimento, na Europa central, de luta contra a criminalização dos atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo e do travestismo. O país onde o movimento se organizou e fez intervenções públicas de forma mais consistente foi a Alemanha, tendo o sexólogo Magnus Hirschfeld sido o seu mais carismático líder. Mas a chegada dos Nazis ao poder acabou, através de uma repressão brutal, com o movimento (Hirschfeld era homossexual e judeu e teve de fugir).
Mas este movimento pecava por usar como argumento para combater a criminalização da homossexualidade a ideia de que se tratava de uma condição inata ainda mal estudada pela medicina (a Medicina estava a tomar o lugar da Igreja enquanto entidade controladora da opinião pública e das reformas da sociedade). Hirschfeld havia retomado a ideia do «Urning» (homem que ama outro homem) apresentada por Karl Heinrich Ulrichs (considerado o primeiro ativista gay da era moderna, por ter publicado uma série de doze panfletos e ter assumido publicamente a sua homossexualidade). Tal como Ulrichs, Hirschfeld acreditava que as pessoas homossexuais eram «hermafroditas psicológicos/as» e chamou-lhes o «terceiro sexo». Embora a ideia de Ulrichs tenha sido usada pela classe médica para apontar os «Urnings» como doentes, Hirschfeld recuperou-a durante algum tempo graças à sua reputação de investigador pioneiro. Mas a recuperação temporária da imagem dos homossexuais foi-se quando Hirschfeld foi acusado de vender patentes de remédios inúteis e de extorquir dinheiro a homossexuais alemães “no armário” para financiar a sua causa.
Hirschfeld publicou também teorias hormonais da homossexualidade, o que levou a que outros tentassem “curar” a homossexualidade através na injeção de hormônios nos “doentes”.
O movimento tal como o conhecemos hoje, com ONGs e campanhas de (in)formação do público, desenvolveu as suas linhas ideológicas orientadoras durante os anos 70 (a época da teorização da Revolução Sexual, do ambiente andrógino e bissexual do glam rock, da celebração do indivíduo e da análise epidemiológica dos primeiros casos de SIDA/AIDS – na altura, o «cancro gay »).
Devido à imagem de «origem da doença» e de «ameaça à saúde pública» o movimento LGBT viu-se ativamente envolvido nas organizações de apoio às vítimas do HIV/AIDS (até porque, devido às políticas seguidas pelas administrações Reagan, o grosso das vítimas era, ainda, composto de homossexuais). A experiência do combate à AIDS permitiu ao movimento desenvolver as capacidades organizativas e de gestão de ONGs,  bem como de organização de campanhas de massas, tendo a luta contra a AIDS servido, inadvertidamente, de escola para a criação de associações LGBT.
Nos anos 90, nos países onde a epidemia da AIDS parecia estar controlada e o público informado, assitiu-se a uma série de campanhas que resultaram na aprovação de legislação anti-discriminação e na mudança de mentalidades. Assim, se é um fato que a homofobia ainda grassa, também é verdade que foram eleitas ou nomeadas pessoas assumidamente LGBT para cargos públicos/políticos e que a homossexualidade deixou de ser um assunto proibido para passar a ser uma realidade abordada nos filmes e séries de televisão (nem sempre de forma correta), nos telejornais (onde, infelizmente, parece imperar a filosofia de «quanto mais espetacular e aberrante, melhor») e em algumas salas de aula (geralmente o local onde são proferidas asneiras sem que as/os professoras/es disso tenham consciência).

Um comentário:

  1. Em 1970, mais de 10 mil homossexuais marcharam em Nova Iorque comemorando o I aniversário da rebelião de Stonewall e exigindo seus direitos. A partir de então, o dia 28 de junho passou a ser o dia do Orgulho Gay e o exemplo foi seguido em diversos lugares do mundo. Nesse dia os homossexuais afirmam sua história de resistência e combate à homofobia. Nasceu assim, o movimento homossexual atual, que impôs mudanças na sociedade e derrubou muitas leis homofóbicas e conquistões direitos civis ao redor do mundo.

    Infelizmente, o processo de mercantilização das Paradas, e sua transformação em um carnaval fora de época, junto aos patrocinadores e governos que promovem a homofobia duranto o ano todo, deixou de lado o caráter combativo de Stonewall.

    Em São Paulo, esse processo é tão aprofundado que a maior Parada do mundo foi praticamente privatizada através da Associação da Parada, uma ONG que se apropriou da manifestação pública e que atua como uma promotora de eventos. No ano passado, traindo a origem do movimento, a Associação da Parada se utilizou da violência policial para impedir que um carro de ativistas participassem da Parada de maneira injustificada. Isso deixou claro que a Parada não cumpre mais o papel de organizar os homossexuais e fortalecer sua luta.

    O GT GLBT da Conlutas realizou no dia 28 de junho um debate na Apeoesp-SP que reuniu cerca de 70 pessoas. Para debater o tema “40 anos de Stonewall” estiveram presentes Wilson H. Silva, do GT GLBT da Conlutas, ativista dos movimentos homossexual e negro e membro da secretaria GLBT do PSTU, e Mara Inajá, representante do grupo de mulheres Pão e Rosas.

    Um segundo tema importante discutido durante o ato foi a necessidade imediata de uma luta ampla que responda aos recentes atentados homofóbicos ocorridos em São Paulo no dia da última Parada, que chegou a causar a morte de Marcelo Campos. Os participantes do ato mostraram disposição em avançar na organização exigindo a identificação e punição dos agressores, o combate aos grupos neofascistas, e a responsabilização do Estado que além de não assegurar a segurança da população ainda promove a homofobia.

    Além destas questões, foram bastante discutidos pelos participantes do ato, a homofobia cotidiana, a necessidade de buscar saídas coletivas contra opressão e das alianças junto as organizações da classe trabalhadora.

    Wilson encerrou afirmando que é necessário reeguer Stonewall (que significa parede de pedras) e derrubar os muros da homofobia, retomando a lição da rebelião que aconteceu há 40 anos atrás, avançando em nossa organização em aliança com os oprimidos e explorados, das universidades, dos movimentos populares e sociais num movimento classista, independente das empresas e dos governos e que o fortalecimento do GT GLBT da Conlutas é fundamental para isso.

    Fonte: Babi Borges - GT GTLBT da Conlutas-SP

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