terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Programa Brasil-África: Histórias Cruzadas


Promover o reconhecimento da importância da interseção da história africana com a brasileira para transformar as relações entre os diversos grupos raciais que convivem no país. Esta é a essência do Programa Brasil-África: Histórias Cruzadas, instituído pela UNESCO no Brasil, a partir da aprovação da Lei 10.639, em 2003, que preconiza o ensino dessas questões nas salas de aulas brasileiras.

Desde então, o processo de implementação da Lei da Educação das Relações Étnico-Raciais nos sistemas de ensino brasileiros vem enfrentando desafios, entre eles a necessidade de desenvolvimento de uma nova cultura escolar e de uma nova prática pedagógica que reconheça as diferenças étnico-raciais resultantes da formação da sociedade brasileira. Para contribuir com esse processo, o programa Brasil-África: Histórias Cruzadas da UNESCO atua em três eixos estratégicos, complementares e fundamentais:

1.Acompanhamento da implementação da Lei
2.Produção e disseminação de informações sobre a história da África e dos afro-brasileiros
3.Assessoramento no desenvolvimento de políticas públicas
O objetivo dessa atuação é identificar pontos críticos, avanços e desafios na implementação da Lei, bem como para cooperar para a formulação de estratégias para a concretização de políticas públicas nesse sentido, além de sistematizar, produzir e disseminar conhecimentos sobre a história e cultura da África e dos afro-brasileiros, subsidiando as mudanças propostas pela legislação.

Para a UNESCO, apoiar a implementação da lei da Educação das Relações Étnico-raciais é uma maneira de valorizar a identidade, a memória e a cultura africana no Brasil – o país que conta com a maior população originária da diáspora africana.

A partir do momento em que as origens africanas na formação da sociedade brasileira forem conhecidas e reconhecidas e as trocas entre ambos disseminadas, se abrirão importantes canais para o respeito às diferenças e para a luta contra as distintas formas de discriminação, bem como para o resgate da autoestima e a construção da identidade da população. Somados, esses canais contribuirão para o desenvolvimento do país.

Assim, o trabalho com esses tópicos nas escolas e nos sistemas de ensino proposto pela legislação nacional, em última instância, leva os alunos e a sociedade a valorizar o direito à cidadania de cada um dos povos.
Tudo isso encontra uma forte convergência com o trabalho da UNESCO, que atua em todo o mundo declarando que conhecer melhor outras civilizações e culturas permite tanto compreender a segregação e os conflitos raciais como afirmar direitos humanos.

Fonte: Representação da UNESCO no Brasil

Coleção História Geral da África em português


Foi lançada no dia 9/12 a edição em português da Coleção História Geral da África da UNESCO. A obra de oito volumes e quase dez mil páginas foi elaborada ao longo de 30 anos por 350 pesquisadores, a maior parte deles de origem africana, e já havia sido editada em sua totalidade em inglês, francês e árabe. A cerimônia de lançamento contou com a presença dos ministros da Educação, Fernando Haddad, e da Cultura, Juca Ferreira.


De acordo com o Representante da UNESCO no Brasil, Vincent Defourny, ao se disseminar no país o conhecimento sobre a África , é possível promover uma importante mudança das relações étnico-raciais. “Existe uma preconcepção de que a história da África começa a partir da colonização e do tráfico negreiro. Mas as contribuições do continente para a humanidade são muito maiores e muito mais antigas do que o imaginado pelo senso comum. E isso precisa ser conhecido”, afirma.

O objetivo da tradução da obra é fazer com que professores e estudantes lancem um novo olhar sobre o continente africano e entendam sua contribuição para a formação da sociedade brasileira. Para Fernando Haddad, ministro da Educação, a coleção vem preencher uma lacuna na educação brasileira. “De fato, a história africana ainda não está inserida no currículo escolar, como estão as histórias da Europa e da América, não há dúvida que há um vácuo. Temos que ter consciência de como nosso povo se formou. A importância da África é crucial para nosso presente e para o futuro da nação brasileira”, afirma.

O conteúdo será base para a construção de materiais pedagógicos para uso de professores e estudantes. A iniciativa é um importante passo dentro de uma política pública de valorização da diversidade e de implementação da lei que estabelece a Educação das Relações Étnico-Raciais e o História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

O material também será disponibilizado por representantes dos países africanos de língua portuguesa. “Vivemos um momento histórico no Brasil, que, nos últimos anos, vem se aproximando cada vez mais dos países da África, e o lançamento da coleção em português é mais uma prova disso. Não seríamos o que somos sem o continente », avalia o ministro da Cultura, Juca Ferreira.

O Ministério da Educação irá distribuir a coleção para bibliotecas públicas municipais, estaduais e distritais; bibliotecas das Instituições de Ensino Superior, dos Polos da Universidade Aberta do Brasil, dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, dos Conselhos Estaduais ou Distrital de Educação. Os oito volumes estão disponíveis para download nos sites da UNESCO  e do Ministério da Educação. (Ou clique nos links abaixo.)


8 volumes da edição completa.
Brasília: UNESCO, Secad/MEC, UFSCar, 2010.

Resumo: Publicada em oito volumes, a coleção História Geral da África está agora também disponível em português. A edição completa da coleção já foi publicada em árabe, inglês e francês; e sua versão condensada está editada em inglês, francês e em várias outras línguas, incluindo hausa, peul e swahili. Um dos projetos editoriais mais importantes da UNESCO nos últimos trinta anos, a coleção História Geral da África é um grande marco no processo de reconhecimento do patrimônio cultural da África, pois ela permite compreender o desenvolvimento histórico dos povos africanos e sua relação com outras civilizações a partir de uma visão panorâmica, diacrônica e objetiva, obtida de dentro do continente. A coleção foi produzida por mais de 350 especialistas das mais variadas áreas do conhecimento, sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, dos quais dois terços eram africanos.

Download gratuito (somente na versão em português):

Vol. I - Metodologia e Pré-história da África
Vol. II - África Antiga
Vol. III - África do séc. VII-XI
Vol. IV - África do séc. XII-XVI
Vol. V - África do séc, XVI-XVIII
Vol. VI - África do séc, XIX até a década de 1880
Vol. VII - África sob dominação colonial, 1880-1935
Vol. VIII - África desde 1935

Mais informações

Guia de apresentação da Coleção História Geral da África

Fonte: Representação da UNESCO no Brasil

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Homofobia, um crime respaldado

por Marcelo Hailer



Em menos de um mês o Brasil foi palco de vários crimes homofóbicos: os garotos que foram agredidos com lâmpadas na Avenida Pauista; um que foi baleado pós Parada Gay no Rio de Janeiro; travestis e transexuais que foram baleadas e assassinadas nas ultimas três semanas e agora, pasmem, a Avenida Paulista foi palco de mais um ato covarde: dois jovens foram espancados por um grupo de skinheads, segundo descrição feita pelos rapazes.E pra completar o cardápio homofóbico brasileiro, o Vox Populi solta pesquisa onde 70% da população se declara contra a adoção para casais gays e 63% dos entrevistados se declararam contra a união civil entre homossexuais. A questão que fica é: o direito de uma minoria deve ficar a mercê de uma maioria preconceituosa? Não, claro que não. Mas, tendo em vista o clima da ultima eleição, onde, inclusive a candidata que venceu, dificilmente teremos algum avanço na questão dos direitos LGBT.A pesquisa do Vox Populi pode ser usada de duas maneiras: uma para o governo federal referendar a sua temeridade em aprovar questões homossexuais; mas, também pode ser usada de forma positiva: realmente temos que fazer algo por essa população, leia-se homossexuais, que não tem direito algum e ainda por cima é vitima cotidiana da intolerância sexista.De volta à homofobia: o pior de tudo é que os ataques contam com o respaldo religioso, político, midiático e social. Na semana passada o jornal Folha de São Paulo soltou editorial declarando-se contra o PLC 122/ 2006, que visa criminalizar a homofobia em todo território nacional, reproduzindo o argumento dos religiosos mais obscurantistas: de que se pretende dar privilégios para uma parcela da população e que se ambiciona impor a mordaça gay em padres e religiosos e na sociedade como um todo.Ora, privilégio? O que será que eles pensam ao saberem que jovens de 14 anos (Alexandre Ivo) são estrangulados, torturados e assassinados pelo simples fato de terem uma orientação sexual diversa daquela imposta pelas estruturas da sociedade? Privilégios quando se apanha pelo simples fato de estar de mãos dadas com o seu companheiro/a? É um acinte um dos principais jornais do Brasil defender em editorial que a criminalização da homofobia é um "privilégio". Bom, para um jornal que chamou a ditadura de "ditabranda", é de se esperar tal opinião.Mas, ainda bem que temos outros meios de comunicação mais sóbrios: o jornal o Estado de São Paulo, o portal UOL, o jornal carioca O Globo, a Rede Globo com os seus programas de jornalismos, pois, não podemos ignorar a cobertura que o RJTV tem feito do caso Alexandre Ivo... Enfim, estes meios tem feito uma cobertura exemplar no que diz respeito à questão da homofobia e da necessidade de o Estado tomar providencias e não apenas criminalizar, mas atuar nos âmbitos da educação, saúde e segurança pública. É fato positivo constatar que cada vez mais opiniões de respaldo a homofobia se tornam vozes no deserto.Em tempo: é de animar a postura da presidente Eleita Dilma Rousseff contrária ao apoio a ditadura aiatolá no Irã. Dilma declarou que enquanto mulher não pode apoiar um regime que apedreja mulheres e que viola os direitos humanos. Vamos torcer para que tal postura se mantenha, pois é inadmissível a posição permissiva do Brasil de apoiar um governo assassino de mulheres e homossexuais.


Fonte: Blog do Chega Mais!

J’ACUSE !!!

"Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice"
(Émile Zola)

Eu acuso!
(Tributo ao professor Kássio Vinícius Castro Gomes)
Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (...)
(Émile Zola)

Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado “dano moral” do estudante foi ter que... estudar!). A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro. O professor Kássio Vinícius Castro Gomes pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática. No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que “era proibido proibir”. Depois, a geração do “não bate, que traumatiza”. A coisa continuou: “Não reprove, que atrapalha”. Não dê provas difíceis, pois “temos que respeitar o perfil dos nossos alunos”. Aliás, “prova não prova nada”. Deixe o aluno “construir seu conhecimento.” Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, “é o aluno que vai avaliar o professor”. Afinal de contas, ele está pagando... E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de “novo paradigma” (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: “o bandido é vítima da sociedade”, “temos que mudar ‘tudo isso que está aí’; “mais importante que ter conhecimento é ser ‘crítico’.” Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno–cliente... Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que “o mundo lhes deve algo”. Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor. Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.

Ao assassino, corretamente , deverão ser concedidos todos os direitos que a lei prevê: o direito ao tratamento humano, o direito à ampla defesa, o direito de não ser condenado em pena maior do que a prevista em lei. Tudo isso, e muito mais, fará parte do devido processo legal, que se iniciará com a denúncia, a ser apresentada pelo Ministério Público. A acusação penal ao autor do homicídio covarde virá do promotor de justiça. Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:

EU ACUSO a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;
EU ACUSO os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a “revolta dos oprimidos” e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;
EU ACUSO os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
EU ACUSO a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para “adequar a avaliação ao perfil dos alunos”;
EU ACUSO os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;
EU ACUSO a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;
EU ACUSO a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;
EU ACUSO a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com
segundo grau completo cresceu “tantos por cento”;
EU ACUSO os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno “terá direito” de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
EU ACUSO os que agora falam em promover um “novo paradigma”, uma “ nova cultura de paz”, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da “vergonha na cara”, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;
EU ACUSO os “cabeças–boas” que acham e ensinam que disciplina é “careta”, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,
EU ACUSO os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;
EU ACUSO os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.
EU VEEMENTEMENTE ACUSO os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam “promoters” de seus cursos;
EU ACUSO os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;
Uma multidão de filhos tiranos que se tornam alunos-clientes, serão despejados na vida como adultos eternamente infantilizados e totalmente despreparados, tanto tecnicamente para o exercício da profissão, quanto pessoalmente para os conflitos, desafios e decepções do dia a dia. Ensimesmados em seus delírios de perseguição ou de grandeza, estes jovens mostram cada vez menos preparo na delicada e essencial arte que é lidar com aquele ser complexo e imprevisível que podemos chamar de “o outro”. A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: “Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima.
O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.” Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor “nova cultura de paz” que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.
Igor Pantuzza Wildmann
Advogado – Doutor em Direito. Professor universitário.


Este texto, emocionado, em alguns momentos toma como verdade absoluta fatos que, mesmo não constituindo exceções, não chegam a ser a unica resposta. De todo modo, deve-se refletir detidamente sobre o assunto.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Comemorações do Dia da Consciência Negra no Liceu Nilo Peçanha


Ao centro, Diretor Antonio Augusto; à sua direita, Profa. Perses (IEPIC), Mestre Zezeu (Capoeira Livre), Prof. Neilson (Liceu); à esquerda, Mestre Machado (Fed. Internac. Capoeira - FICA), Prof. Heraldo (Liceu), Dr. Gilberto (pesquisador da cultura negra).
Visite o álbum de fotos.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dia da Consciência Negra - Carta Aberta ao Presidente Lula

Por um Estado que proteja as crianças negras do apedrejamento moral no cotidiano escolar 

Brasil, 20 de novembro de 2010, Dia da Consciência Negra 

Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Sr. Luís Inácio Lula da Silva,

Em um ato político e humano, vossa excelência ofertou asilo a Sakneh Mohammadi Ashtiani como forma de preservar-lhe a vida, visto que a mesma corre risco de ser apedrejada até a morte física em seu país, o Irã.
Se me permite a analogia, pelo exemplo que vossa senhoria encarna para a Nação, creio que seria, além de político e humano, um gesto emblemático e valoroso se  vossa senhoria manifestasse sua preocupação e garantisse “proteção” às crianças negras inseridas no sistema de ensino brasileiro, zelando por sua sobrevivência moral e sucesso em sua trajetória educacional. Como vossa senhoria já afirmou: “Nada justifica o Estado tirar a vida de alguém”, e, no caso do Brasil, nada justifica que o Estado colabore para fragilizar a vida emocional e psíquica de crianças negras, propiciando uma educação que enseja uma violência simbólica, quando não física, contra elas no cotidiano escolar. Sim, a violência diuturna sofrida pelas crianças negras no espaço escolar pode, em certa medida, ser comparada ao apedrejamento físico, visto que o racismo e seus derivados as amordaça. Assim, emocionalmente desprotegidas em sua pouca idade, as crianças passam a perseguir um ideal de “brancura” impossível de ser atingido,  fazendo-as mergulhar em um estado latente, intenso e profundo de insatisfação e estranhamento consigo mesmas.  
É fato que as crianças em geral não possuem natureza racista, mas a socialização que lhes é imposta pela sociedade as ensina a usar o racismo e seus derivados como armas para ferir as criança as negras, em situacões de disputas e até simplesmente para demarcar espacos e territórios, bem ao exemplo dos padrões da sociedade mais ampla. A escola constitui apenas mais uma instituição social na qual as características raciais negras são usadas para depreciar, humilhar e excluir. Assim, depreciadas, humilhadas e excluídas pela prática escolar e consumidas pelo padrão racista da sociedade, as crianças negras têm sua energia, que deveria estar voltada para o seu desenvolvimento e para a construção de conhecimento e socialização, pulverizada em repetidos e inócuos esforços para se sentir aceita no cotiano escolar.
Se há no Irã - liderados pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad - um grupo hegemônico que, embasado em uma interpretação dogmática do Islamismo e na particular percepção do que é legitimo, detém o poder de vida de  morte sob as pessoas, não menos brutal no Brasil, temos um grupo no poder que, apesar de não deliberar explicitamente pela morte física de negros e negras, investe pesadamente na manutenção da supremacia branca, advoga pelo não estabelecimento de políticas que promovam a igualdade, e nega sistematicamente qualquer esforço pela afirmação dos direitos dos afro-brasileiros.
Excelentíssimo, a supremacia branca mina as bases de qualquer perspectiva de justiça social. A  eliminação do racismo e de seus predicativos depende do questionamento do poder branco, visto que a subalternização dos negros é fonte permanente de riqueza, prosperidade e garantia de poder arbitrário e absoluto. Não seria está também uma forma de matar e de exterminar? Não estaria aí um protótipo do modelo de genocídio à brasileira?  
Nossa aposta, sr. presidente, é que estando sob um regime democrático - ainda que permeado por estrutura historicamente racista que nega aos negros os direitos de cidadania – possamos contar com  os órgãos públicos competentes no dever legal de zelar pela igualdade substantiva. Neste sentido, o Ministério da Educação (MEC) encontra-se submetido às leis nacionais e aos tratados internacionais promulgados pela ONU, o que legitima nosso direito de exigir que, sendo o órgão representante do Estado brasileiro no campo da educação, promova o bem estar de nossas crianças, e que não contribua, portanto, para a sua dilapidação moral.
Senhor Presidente, que legitimidade tem um governo que abraça o projeto político de ‘um país de todos”, mas que investe recursos públicos na disseminação de uma pedagogia racista entre os seus pequenos cidadãos? Um Estado que compra e envia para as escolas material pedagógico que contém estereótipos e preconceitos quer sejam étnicos, raciais e/ou de gênero pode ser compreendido como um Estado que fornece combustível ideológico para que a humanidade dos indivíduos tidos como ‘diferentes’ seja desconfigurada. Não nos parece que é a proposta política deste governo incentivar e disseminar  ideologias racistas que promovem a deterioração da identidade e da autoestima da criança negra.
É neste sentido, senhor presidente, que a contenda sobre o livro de Monteiro Lobato deve ser vista apenas como mais um episódio em que os negros aparecem como inconvenientes e não encontram solidariedade por parte dos formadores de opinião e representantes da administração pública. Talvez tais agentes  fossem mais solidários com a luta anti-racista caso os materiais pedagógicos contivessem referências depreciativas em relação às suas identidades.  Talvez conseguissem perceber o escárnio se as personagens obesas fossem referidas como aquelas que “comem como uma porca cebosa”. Talvez se motivassem a protestar caso um livro contivesse um padre católico apresentado como “lobo que devora criancinhas”.  Talvez também fossem contrários à distribuição de obras clássicas que contivessem a idéia preconceituosa de que: “os políticos agem no escuro como ratos ladrões”.



Entretanto, senhor presidente, ter no livro de Monteiro Lobato personagem negra que “sobe na árvore como macaca de carvão” é visto como algo absolutamente natural e que deve ser mantido para preservar a liberdade de expressão. No fundo querem que nós negros e negras subscrevamos tal obra como um elemento histórico que, constitutivo da “democracia racial brasileira”, deve ainda ser difundido nas escolas, a despeito dos estragos que possa produzir na formação de nossas crianças brancas e negras.
Aceitar tais práticas insidiosas é negar a nós mesmos e rasgar o histórico de resistências que marca a identidade negra.  Não podemos aceitar que nossas crianças negras sejam sacrificadas e usadas para o entretenimento, deleite e regogizo das crianças brancas. E nós, seus pais e educadores,  lamentaríamos ver nossas crianças obrigadas a se defenderem de pedradras usando pedras contra “Pedrinhos”.
A era da inocência acabou, como nos lembra a militância negra! Os chamados textos clássicos não representam a última (sacrosanta) palavra sobre o mundo social. Não é segredo que muitos dos textos sob tal categoria  são na verdade a bíblia da dominação branca-masculina-heterosexual, representando uma falsa imagem sobre quem somos. Propicia, por exemplo, que homossexuais sejam agredidos no cotidiano escolar e/ou na calada da noite, nas esquinas escuras das nossas cidades.
Uma educação que oferta estereótipos étnicos, raciais, de gênero e/ou homofóbicos facilita que jovens, ainda que supostamente “bem educados”,  organizem práticas criminosas como o “rodeio das gordas”, ocorrido na UNESP ainda agora. É pelo investimento possessivo na supremacia branca, assegurado pela desumanização dos negros, que pessoas queimam índios e moradores de rua; é a partir de uma educação sexista que jovens tornam-se preconceituosos a ponto de espancar mulheres em pontos de ônibus, por acreditarem que são prostitutas. É a sistemática exposição de nossos meninos e jovens a idéias e práticas machistas que constitui terreno fértil para que quando homens crescidos, diante da percepção de ameaca á sua masculindade, assassinem suas namoradas, esposas e/ou amantes, conforme constatamos nos nossos noticiários.
Assim, senhor presidente, trata-se de legítimo e necessário o parecer do Conselho Nacional de Educação - CNE/CEB Nº: 15/2010, sobre as medidas de combate aos estereotipos e preconceitos na literatura. Não se trata de censura política, como se quer passar, mas de proteção social das nossas crianças. Pois, assim como um buquê de rosas que apesar da beleza contém espinhos pontiagudos, os livros com teor discriminatório ferem. Alguns ferem de maneira profunda e indelevelmente marcam trajetórias de vida. Logo,  podemos questionar se um educador que, ao dar a rosa, alerta sobre a existência de espinhos, estaria censurando a existência da rosa e banindo-a do jardim, ou estaria apenas, responsável que é, cumprindo o dever de proteger a criança pequena?
Há que se ter cuidado com nossas criancas que, a partir de sua próspera administracao, sr. presidente, mais cedo adentram o cotidiano escolar. Se elas entram mais cedo na escola, é fato que também  experienciam mais cedo o  contato sistemático com um cotidiano discriminatório, repleto de violência racial, vivendo precocemente a dor e o sofrimento de serem desumanizadas com qualificativos  como macaco e urubu, assim como Monteiro Lobato dissemina em suas histórias.
Infelizmente, sr. presidente, nós negros adultos, ainda que tenhamos sobrevivido a esses mesmos sofrimentos em nossas histórias de vida, não conseguimos encontrar remédio eficaz para curar a dor que corrói a alma de nossas crianças pequenas. Não descobrimos ainda palavras mágicas que apaguem da memória de nossas crianças a vergonha da humilhação e do escárnio público. A valorização da beleza de nossa pele e o histórico de luta de nosso povo apenas amenizam o sangramento moral. É difícil se contrapor a um ideal de beleza e de sucesso que reserva um lugar inferior na sociedade aos indivíduos de pele negra.

Sr. Presidente, em nome de seu legado que engrandeceu este país e retirou da miséria milhões de brasileiros, não permita que, sob sua administração, mesmo nestes momentos finais, prevaleça um modelo de Educação que, apenas assentado em discursos contra o racismo e o preconceito racial, utiliza-se do poder e dos recursos públicos para a compra de materiais que veiculem estereótipos e idéias preconceituosas perniciosas para milhões de crianças, futuros cidadãos, que no futuro poderiam lembrar-se não destas “leituras”, mas sim das incomparáveis conquistas da era Lula.
Vossa senhoria que afirmou em seus discursos a importância do combate ao racismo na sociedade;  que, através da primeira  lei assinada em seu governo - Lei 10.639, em 09 de janeiro de 2003, tornou obrigatório  o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, observe atentamente para que os profissionais do Ministério da Educação não contradigam os seus pronunciamentos públicos. Talvez, sr. presidente, não haja mais tempo para corrigir o descaso desses para com as políticas de educação em áreas quilombolas, visto que os recursos empenhados no orçamento 2009, sequer, até a presente data, foram utilizados para o pagamento dos convênios aprovados, impossibilitando assim que as escolas quilombolas recebam material didático e pedagógico adequados. Certamente não há mais tempo para elaboração e distribuição de livros para subsidiar a prática pedagógica anti-racista, visto que a política foi interrompida em 2006 juntamente  com o fim do Programa Diversidade na Universidade – que mesmo tendo recebido o aval positivo do BID para uma segunda edição ampliada, por ter sido avaliado como um programa modelo para a América Latina, não contou com a aprovação das gerências superiores do MEC.
Infelizmente, excelentíssimo presidente, não há tempo também, certamente, para lograr as metas de formação de professores e professoras para a educação das relações etnicorraciais, visto que as secretarias de educação estaduais e municipais, devido à ausência de uma consistente campanha de combate ao racismo na educação, comandada pelo MEC, pouco se engajaram para alcançar esse objetivo.
Essa triste realidade, sr. presidente, atesta que Fernando Haddad, ministro da educação, deixará, infelizmente no legado de seu governo, a triste memória de um trabalho inexpressivo no que concerne à políticas públicas para o combate ao racismo e a valorização da história e cultura afro-brasileiras. Ele que, mesmo tendo a faca e o queijo nas mãos, pouco fez para o fortalecimento da educação anti-racista e anti-discriminatória no país, encerra seu mandato sinalizando aliança com vertentes contrárias às conquistas sociais, dificultando, assim, que o Conselho Nacional de Educação cumpra o papel que lhe é devido.  A devolução do parecer CNE/CEB Nº: 15/2010 dá bem a dimensão do retrocesso político e concretiza  uma velada censura às políticas de combate ao racismo pelo MEC. A atitude do ministro Haddad traduz sua vontade política e fornece elementos para compreendermos o porquê do inexpressívo desenvolvimento das políticas anti-racistas no interior do MEC e, a partir dele, nos sistemas de ensino.
Assim presidente, o senhor que compreende o combate ao racismo como uma luta pela justica social, não permita que o Estado brasileiro retroceda nas conquistas dos direitos dos afro-brasileiros: não deixe sua consciência passar em branco! Relembrando suas palavras am relação à dívida do Brasil para com o continente africano: "Têm coisas que a gente não paga com dinheiro, mas com solidariedade, companheirismo e sentimentos", seja solidário à Sakneh, mas também aproveite o 20 de novembro e renove o seu compromisso com  o  Brasil negro.  Em nome das crianças negras e brancas, em nome dos filhos do Atlântico negro,  manifeste-se favoravelmente às orientações do Parecer CNE/CEB Nº: 15/2010 – (http://www.euconcordo.com/com-o-parecer-152010).

Respeitosamente,
Eliane Cavalleiro
Doutora em Educação pela Faculdade de Educacao da USP, 2003 – coordenadora executiva de Geledés – Instituto da Mulher Negra, de 2001 a 2004; coordenadora de Diversidade da SECAD/MEC, de 2004 a 2006; ex-professora adjunta da Faculdade de Educacao da UNB – de 2006 a fev/2010; presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores negros, de 2008 a jul/2010, é cidadã brasileira, que luta para que seus netos e bisnetos e demais gerações tenham o direito a uma verdadeira educação anti-racista.